maio 25, 2007

OMO, 50 anos

Higiene e ascese

O consumidor brasileiro gasta cerca de R$ 2 bilhões por ano com sabão em pó, o que significa um mercado de 400 mil toneladas do produto. É um segmento disputado, palmo a palmo, por duas grandes multinacionais: a Unilever e a Procter & Gamble, que abocanham respectivamente 70 e 13 por cento do mercado. Omo ou Ace, não importa, como sabe a minha vó, sabão bom tem que limpar com profundidade e fazer espuma.

Limpar em profundidade equivale dizer que a roupa é profunda, o que a magnifica, torna-a, nas palavras de Roland Barthes, um objeto sedutor perante os obscuros impulsos de envolvimento e de carícia que existem em todo o corpo humano. Por sua vez, a espuma, substância simultaneamente profunda e aérea, pode mesmo ser o signo de uma certa espiritualidade, na medida em que considera o espírito capaz de tirar tudo do nada, continua o escritor, a propósito do entusiasmo provocado pelo Primeiro Congresso Mundial de Detergência (Paris, 1954).

Suponho que certamente Barthes sabia que nem a criatividade publicitária e industrial, nem o hedonismo do consumidor, têm limites. Por isso chegou ao mercado Ariel, líder absoluto entre os americanos. Ganhou partículas azuis e foi azulando, para atender à exigência dos brasileiros, que vinculam o produto à antiga e alvejante pedra anil.

O que quero destacar é que o significado de luxo da espuma fortaleceu-se diante das “partículas azuis”, agora disponíveis no creme dental Colgate Max Fresh Cinnamint (o único com cristais refrescantes feitos de enxagüante bucal que se dissolvem instantaneamente durante a escovação proporcionando uma nova dimensão de refrescância) e até nos xiclets. Nos dicionários lemos: Fresco - aprazível, recente, bem arejado, ameno, viço. Associa-se a montanhas, frio, mar, céu, viagem, sentido (direção), advertência, precaução, confiança. Proporciona sensação de maturidade, infinito, higiene, principalmente quando na presença de branco, e ostentado, ainda mais, pelo brilho.

Por sua vez, o mercado de cremes dentais movimenta quase um bilhão de reais ao ano no Brasil - o que não impede ostentarmos uma triste estatística: estudo da Fundação Oswaldo Cruz aponta que 14,4% dos brasileiros já perderam todos – todos! – os dentes. A que serve, afinal, essa nova dimensão de refrescância oferecida? Afrescos Giotto di Bondone (1266-1337) revolucionou a pintura ao criar a noção de tridimensionalidade. Abandonou a rigidez bizantina e dotou suas figuras de volume e sentimento, expressando assim, por meio da arte, o humanismo que são Francisco de Assis imprimiu à religião no início do século XIII. Através do Tau (Τ), símbolo imortalizado pelo santo preso em cordão amarrado ao pescoço, encarna o discernimento da pobreza no material e da riqueza no espiritual. O traço horizontal significa a expansão terrena, enquanto o vertical significa o celeste. Associa-se à cruz vitoriosa clavada numa estaca sobre o leito da morte, que encontra na vida espiritual a perfeição, a reconciliação e a unidade. Nos inúmeros ciclos de afrescos sobre o santo, imortalizado também por Dante e Santo Tomás de Aquino, Giotto concilia ilusionismo e cinética, espiritualidade e humanidade. Destacam-se São Francisco pregando para os pássaros e O sonho do Papa Inocêncio III.

A mão da limpeza

Em meados de 1930, os jornais em circulação na cidade de Salvador contam um sem-número de reclames, por diversos setores da população, quanto à prática de lavagem de roupas nas ruas, calçadas e passeios, que muitas vezes acabou ocasionando pequenos acidentes promovidos pelas águas com sabão jogadas nas vias transeuntes pelas lavadeiras negras.

Um século antes, em São Paulo, cidade que contava com pouco mais de dez mil habitantes, intolerável era o conversar ruidoso em torno aos chafarizes, em meio às rodas de capoeira e partidas de jogos, misturando escravos a homens livres pobres, também trabalhadores de diversos ofícios e expedientes, numa convivência tensa e necessária para a sobrevivência.

Por suas quatro torneiras de bronze, o chafariz do Largo da Misericórdia (1792), construído pelo escravo Thebas em troca de sua alforria, vertia água trazida do Anhangabaú. O chafariz, e também a igreja, foram demolidos em 1888, colocando-se em seu lugar uma mera pintura em referência ao patrimônio cultural que testemunhou parte da história de nossa cidade.

Nenhum comentário: