maio 23, 2007

Tupy or not Tupy?

Sim, o ano só começa depois do carnaval. Muito depois para alguns. Bem-vindos.

"Ela entrou com embaraço, tentou sorrir, e perguntou – se eu a reconhecia? O aspecto carnavalesco lhe vinha menos do frangalho de fantasia do que do seu ar de extrema penúria. Fez por parecer alegre. Mas o sorriso se lhe transmudou em ricto amargo. E os olhos ficaram baços, como duas poças de água suja... Então, para cortar o soluço que adivinhei subindo de sua garganta, puxei-a para ao pé de mim e, com doçura: - Tu és a minha esperança de felicidade e cada dia que passa eu te quero mais, com perdida volúpia, com desesperação e angústia... " (M. Bandeira)

Custa caro acreditar neste país. De que cor é a água do Tietê? Nossa Bagdá de balas perdidas de fuzis invadindo o horário nobre da favela. A redução da maioridade penal. E certo deputado eleito em recorde desce do salto e roda a baiana. Por falar em baiana, assisti a Ó Paí Ó. Comecei o filme à vontade, entregue à liberdade cretina do tudo pode, afinal, é carnaval e não existe pecado do lado de baixo do Equador. Afinal, são sintomas da democracia conviver com aquilo de que se gosta e com aquilo de que não se gosta.

Deixo claro: o filme é fraco. Em poucos momentos a diretora merece elogios pela sensibilidade de se distanciar do “enredo” e olhar por cima desse samba, suor, cerveja, dessa alegoria que a gente inventa pra dar mais gramur à nossa miséria. Insisto, isso ocorre em poucas e singelas tomadas, uma das quais escolhidas para encerrar o longa, literalmente, por baixo. Claro que com isso a obra não redime o resto, quando se parece com um daqueles musicais da Angélica que a gente via quando criança.

É inútil questionar, enquanto dura o filme, se o carnaval da Bahia dura um mês ou o ano inteiro, ou se o ano começa ou termina com ele; suar suamos todos nós, todos os dias. Não me agrada é o conservadorismo do filme, a maré que conduz os personagens. Em cada um uma potência dispersada que nada solidifica, e se anula pelo próprio curso da trama quase beirando o happy end, sofre quem fica e sofre quem parte.

Uma dessas personagens, na melhor linha Carlota Joaquina, cruza o Atlântico em busca de sua chance de Aladin, mas se vê reconduzida ao incômodo de terminar seus dias em Salvador. Quantos de nós não faremos o mesmo, menos por coragem que pela fraqueza de aceitar lavar os pratos do gringo? A mesma fraqueza dos nossos parlamentares, dos nossos magistrados desmotivados, dos nossos professores e de nós estudantes.

Digo uma última vez: o filme é bem fraco, é condescendente como a maioria de nós e sequer provoca indignação. Faz uso de todos os jeitinhos brasileiros a que estamos acostumados e a exemplo do roteiro da vida real, só pega no tranco, quando a coisa aperta, depois da tragédia consumada. Mas aí a estória já acabou, custou vidas, e a banda já passou no embalo do mais novo sucesso do verão. Revela outra vez sua potência com a mesma intensidade que se desfaz, afinal, é sempre carnaval. E cada povo tem a ressaca que merece.

[Hélio Eichbauer, detalhe do cenário para O Rei da Vela, 1967]

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