junho 19, 2007

Está chegando o dia

Tem alguns que não fedem nem cheiram. Tem quem não goste, fazer o quê. Tem quem adore! Tem quem goste demais e acabe se divertindo com isso - mas acha melhor guardar segredo. Existe densidade e transparência no ato de defecar. Se eu fosse um excelente pesquisador diria sobre a criatividade notável dos recursos e resultados da empresa das fezes em todo o reino animal, tema que me assombra muito. E, ainda, se eu fosse um excelente escritor, aproveitaria para com palavras envolver e traduzir, em cânticos e sonetos, esse quase diário ato de humildade.

Em primeiro lugar, como estou cagando pro assunto, volto à Freud. Longe, bem longe, aponta em O Mal-Estar na Civilização, que o interesse curioso das crianças com o ato excretório, em seus "órgãos e produtos", se transforma, quando adultos, em traços de caráter familiares, tais como o sentido de ordem e de limpeza. Estes se possibilitam se desenvolvido o processo de sublimação instintiva pelo qual os desejos primitivos passam a constituir, ao curso do desenvolvimento cultural, atividades psíquicas superiores, da ordem da criatividade artística, por exemplo. Conclui, por isso, ser impossível desprezar que "a civilização é construída sobre uma renúncia ao instinto".

Em segundo, não, não sou esse excelente escritor, mas conheço uma, Hilda Hilst, que deverá me perdoar por trazê-la a esta conversa (sei que também não o negaria). A ela devo o conhecimento de uma disciplina conhecida por escatologia comparada. Surge assim:

Juiz Velho: Mas com esse calor eu não vejo nada. Com esse calor todos fedem. Os homens fedem.

Juiz Jovem: Tem razão. Os homens são seres escatológicos (...) Para vencer o ócio dos senhores que cada dia é mais freqüente, não bastará falar sobre o poder, a conduta social, a memória abissal, o renascer. É preciso agora um outro prato para o vosso paladar tão delicado. E se pensássemos num tratado de escatologia comparada? Nada mais atual e mais premente.

Juiz Velho: Comparada com o quê?

Juiz Jovem: Com tudo! Com tudo!

Juiz Velho: Ah, talvez bem pensado porque...

Juiz Jovem: Porque tudo o que se compara, se entende. E se transforma em conflito sempre iminente.

(...)

Juiz Jovem: Mas nossa boca de vento, que aparentemente é vazia, seria o primeiro elemento para uma escatologia... comparada. Boca de vento... Na verdade (põe a mão no traseiro e na boca) duas bocas do nada. Partindo do nada, chegaríamos a infinitas conclusões. Depois do nada, vem tudo de mão beijada. A cultura.

Juiz Velho: A cultura?

Juiz Jovem: Espere... espere. Você sabe que o verme come o homem. E a cultura de material abundante seria no futuro nossa única forma de leitura. Cultivar a matéria! Ler na matéria! O mundo se transformaria num grande laboratório de análises. Acostumar as narinas! Já de início, ficaríamos todos livres da parasitose. Depois, quem sabe o que se descobriria na matéria... quem sabe o quê!!!

(...)

Juiz Velho: E depois esse teu tratado pode gerar confusão.

Juiz Jovem: Por quê?

Juiz Velho: Porque se você abrir um dicionário, verá que a palavra escatologia tem dois sentidos. Um, é essa tua matéria, está certo. O outro, faz parte da teologia. Escatologia: doutrina das coisas que irão acontecer no fim do mundo.

Juiz Jovem: Mas está perfeito! Uma surpreendente analogia! No fim do mundo sobre nossas cabeças uma nova esfera! A coproesfera! Sobre nossas cabeças enfim o que os homens tanto desejam: a matéria! Você não se entusiasma? Sobre nossas cabeças como um novo céu, a merda! Escatologia pura.

Juiz Velho: Já que você tem idéias, você conhece alguma coisa que consiga tirar o cheiro das testemunhas? Durante toda a minha carreira pensei em várias soluções...

Juiz Jovem: Uma delas...

Juiz Velho: Usar enormes tampões!

(continua)


Volta e meia me preocupo pensando se fosse dono de um zepelin e nele pudesse carregar quantidade suficiente da "matéria". Onde, sobre quem ou o quê escolheria privilegiar com essa chuva?

Na contramão dessa idéia, Gabriela Machado, artista plástica com origem na arquitetura, trabalhou com papel higiênico para ambientar um projeto espacial para a rotunda do CCBB/RJ, a Sala dos Fios. Essa instalação ostenta leveza, faz o sublime transparecer no espaço e no tempo, em movimento e luz. O prazer visual experimentado guarda densa relação com a sensibilidade oriental para atingir o equilíbrio, dispensando excessos e exigindo precisão dos gestos. Com isso, flui diante de nossos olhos uma espécie de carícia, como notou Robert Morgan. Os materiais de delicadeza trabalhados por Gabriela sob processo de elevada consciência- ver a série Cascas - quer pelas instalações, quer pelas pinturas, encantam pela sinestesia na mesma medida que provocam para a reflexão sobre o útil, a sobra, o essencial.

junho 17, 2007

Dípticos e Trípticos

Um portal mágico leva até um castelo, passando por uma gruta estreita se chega ao salão principal, um pátio de tudo, parece um dicionário vivo. É lindo. Os animais grandes são pequenos e os animais pequenos são grandes e estes usam roupas reais, tecidos nobres, adornos exóticos e são montados por homens.

De repente muita confusão, ordens ordens ordens (a ordem), e o ambiente subitamente se transmuta para um Fórum, estamos todos trajados como para ir ao escritório enfrentando grandes filas, pessoas suando, tensas, com cara de quem não gosta do que fazem. Preciso pegar uma guia pagar ir ao balcão balcão balcão... A vida é sonho, eu sou "aquele que rasga de raiva e desespero a sua última camisa" e "derrama vinho rubro na cama sórdida, aquele que vive sentado nas docas debaixo das gaivotas". Triha musical: Arnaldo Antunes, Hotel Fraternité Argumento: Gustav Klimt, Jurisprudência

junho 09, 2007

"O que aí está não pode durar, porque não é nada!"











(...)

Falência geral de tudo por causa de todos!
Falência geral de todos por causa de tudo!
Falência dos povos e dos destinos — falência total!
Desfile das nações para o meu Desprezo!
Tu, ambição italiana, cão de colo chamado César!
Tu, «esforço francês», galo depenado com a pele pintada de penas! (Não lhe dêem muita corda senão parte-se!)
Tu, organização britânica, com Kitchener no fundo do mar mesmo desde o princípio da guerra!
(It 's a long, long way to Tipperary and a jolly sight longer way to Berlin!)
Tu, cultura alemã, Esparta podre com azeite de cristismo e vinagre de nietzschização, colmeia de lata, transbordamento imperialóide de servilismo engatado!
Tu, Áustria-súbdita, mistura de sub-raças, batente de porta tipo K!
Tu, Von Bélgica, heróica à força, limpa a mão à parede que foste!
Tu, escravatura russa, Europa de malaios, libertação de mola desoprimida porque se partiu!
Tu, «imperialismo» espanhol, salero em política, com toureiros de sambenito nas almas ao voltar da esquina e qualidades guerreiras enterradas em Marrocos!
Tu, Estados Unidos da América, síntese-bastardia da baixa-Europa, alho da açorda transatlântica nasal do modernismo inestético!
E tu, Portugal-centavos, resto da Monarquia a apodrecer República, extrema-unção-enxovalho da Desgraça, colaboração artificial na guerra com vergonhas naturais em África!
E tu, Brasil, «república irmã», blague de Pedro-Álvares-Cabral, que nem te queria descobrir!
Ponham-me um pano por cima de tudo isso!
Fechem-me isso à chave e deitem a chave fora!
Onde estão os antigos, as forças, os homens, os guias, os guardas?
Vão aos cemitérios, que hoje são só nomes nas lápides!
Agora a filosofia é o ter morrido Fouillée!
Agora a arte é o ter ficado Rodin!
Agora a literatura é Barrès significar!
Agora a crítica é haver bestas que não chamam besta ao Bourget!
Agora a política é a degeneração gordurosa da organização da incompetência! Agora a religião é o catolicismo militante dos taberneiros da fé, o entusiasmo cozinha-francesa dos Maurras de razão-descascada, é a espectaculite dos pragmatistas cristãos, dos intuicionistas católicos, dos ritualistas nirvânicos, angariadores de anúncios para Deus!
Agora é a guerra, jogo do empurra do lado de cá e jogo de porta do lado de lá!

Sufoco de ter só isto à minha volta!
Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas!
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!

junho 03, 2007

[Glauco Matoso]