maio 27, 2010

São Paulo, 28 de maio de 2010.

Caro Leonilson,

Ontem estive na apresentação performática O Ilha, inspirada na sua obra, em cartaz no CCSP até domingo. Sei que a pretensa fama de ineditismo do lugar já foi alvo de críticas suas quando você lá expôs um apanhado de xerox de trabalhos de artistas contemporâneos e apresentou-os na forma de um painel, provocação explícita a respeito de certas "tendências" que assolam a produção visual de tempos em tempos, descomprometida com uma poética singular do artista.

O resultado proposto para a apresentação a que assisti foi de imagens à deriva que eram rarefeitamente alcançadas pelas luzes coloridas dos holofotes cercando o palco na altura do chão. Mas essas luzes eram torturadas por uma escuridão que engolia os corpos solitários e anônimos dos bailarinos, sempre presos ao solo, cujas cabeças estavam encaixotadas, sem contato possível entre si a não ser no universo em que se escondiam. Acho que o trabalho foi bem realizado, e então o entendi como um território de desejos que poderiam narrar movimentos de atravessamento, encontro, repulsão, e desapego do próprio sujeito desejante. Vejo agora que preciso explicar o que quero dizer com a ausência de contato entre os bailarinos: ainda que isso fosse possível, e era porque seus corpos se tocavam, o estranhamento decorrente do encaixotamento não me permite concluir que desse contato (um arquipélago se reunindo) resultaria uma experiência sensível - pelo menos incita-nos a investigar outras possibilidades de experiência sensível.

Por isso resolvi te escrever, quem sabe você possa me dizer se existe um outro mundo em algum lugar, por onde você já deve ter passado, onde a luz permaneça para ser vista por todos, independente de um olhar para ver ou não. Certa vez você definiu seus trabalhos como cartas que não podiam ser enviadas. Pois elas continuam encontrando leitores. Espero também que nesse outro mundo, bem diverso daquele onde você esteve até 1992, talvez ao menos nós sejamos continentes, onde cartas engarrafadas sempre cheguem após cruzar oceanos de escuridão.

A Construção